Música e Gourmetização: a linha tênue entre a crítica e a chatice


Na semana passada um novo judas surgiu na música brasileira. Frustrado com a postura de alguns espectadores brasileiros durante seus shows no exterior, Ed Motta comentou no seu Facebook que não pretendia agradar a “turma mais simplória” e que nem sequer falaria em português nas apresentações. O equívoco no tom das declarações foi mais tarde reconhecido direta e honestamente pelo próprio, embora o mal já estivesse feito.Antes de qualquer coisa, um esclarecimento: este texto não pretende fazer nenhum tipo de piada infame usando a referência à palavra gourmet presente no título e o gosto de Ed Motta por restaurantes renomados e vinhos raros. O problema aí é muito mais sério do que o apetite do músico. 
Foto: Página de Ed Motta no Facebook
Nos dias atuais, a internet e as redes sociais permitem que qualquer pessoa fale (praticamente) o que quiser, como quiser e para quem quiser. Só que esta liberdade de expressão parece vir com um brinde indigesto: a crítica exagerada. Obviamente todos têm questionamentos, frustrações e revoltas, mas precisa tanto? A hiperexposição tornou obrigatório ser (ou parecer) mais culto, se vestir melhor, gastar mais e gostar das comidas mais sofisticadas. Simples, não. Sim à gourmetização.
Na música este pensamento é ainda mais antigo. É normal se identificar com um ou outro estilo, mas esta relação chega a ser patológica ao ponto de uma pessoa se achar um ser superior, elevado e iluminado pela bênção de compreender um estilo A, bem diferente dos seres primitivos que se limitam e se contentam com B. Pensamentos assim impedem a apreciação sincera das coisas simples. Das músicas simples.
Sim, deveria haver mais espaço para outros tipos de música e sim, há quem seja culpado diretamente por isso. Só que a culpa não é necessariamente do público nem mesmo dos artistas. Grandes empresas ligadas à música e suas relações com os grandes meios de comunicação criaram o sistema que definiu não o que seria bom ou ruim, mas o que seria consumido ou não. A conclusão que chegaram foi de que o mais simples vende mais e esta prática foi autossuficiente por décadas. Foi assim para os Beatles e para Lucas Lucco. Acontece que os novos rumos da comunicação criaram canais diretos de troca de informação que deixaram os poderosos desnorteados (talvez a melhor palavra fosse desesperados). Conclusão, todos estes estilos renegados tendem a ganhar mais espaço, mesmo que por iniciativas menores.

Voltando ao Ed Motta e à sua música ensaiada com “seriedade cirúrgica”, é tempo de um pouco mais de otimismo. Por mais complexa e fora dos padrões estéticos que seja a obra de um artista, ela está hoje livre das amarras da indústria musical e pode chegar a todos os públicos. Agora, se ainda assim as outras “turmas” continuarem incomodando tanto, aí já é chatice mesmo.   

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